O cenário do mercado de trigo no Brasil e na Argentina depende, diretamente, da situação da safra na Rússia, visto que o país de Vladimir Putin é o maior exportador dessa commodity no planeta. É o que destaca o relatório de grãos da Hedgepoint Global Markets.
As condições para o ciclo de inverno no Hemisfério Norte foram muito positivas nos últimos dois meses. A estimativa é de um bom volume exportado, totalizando cerca de 50 milhões de toneladas, com grande oferta e aumento da área plantada. No entanto, o clima na região vem mudando e há preocupações com a umidade do solo.
“Começou a chover menos na Rússia, com períodos de seca. Em geral, ainda temos indicações de bons insumos para o ciclo 24/25, mas pode haver uma mudança nas próximas semanas e meses”, explica o analista de Inteligência de Mercado da empresa, Alef Dias.
Segundo ele, na União Europeia, houve fortes chuvas no final de 2023 e início de 2024. A dinâmica comercial de países como Romênia e Bulgária ficou comprometida, assim como uma redução significativa no plantio de trigo na França.
Panorama brasileiro
A catástrofe climática no Rio Grande do Sul não deixou nenhuma referência de preço para o trigo brasileiro, salienta o levantamento da Hedgepoint. “No que diz respeito à nova safra, ainda há tempo para que o plantio ocorra após as condições climáticas e logísticas voltarem ao normal”.
No entanto, com o fim do fenômeno El Niño no Brasil e a probabilidade de La Niña durante o inverno, a produção caminha para um momento de transição. Nesse contexto, poderia ocorrer a seguinte situação:
“Há risco de mais estiagem durante o período em que a safra estiver estabelecida. No entanto, há menos chance de muita chuva, principalmente na época da colheita. Foi o que vimos no ano passado no Rio Grande do Sul”, explica o gerente de Relacionamento, Andrey Cirolini.
Redução de área de trigo
Outro destaque é a redução da área plantada com trigo no país. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma queda média de 4,7% em relação à temporada anterior. A diminuição se deve principalmente ao Rio Grande do Sul e ao Paraná, que reduziram a área em cerca de 100 mil hectares.
“Em 2023, os produtores enfrentaram muita chuva durante a safra, com perda de quantidade e qualidade do trigo. Com um cenário mundial de muita oferta, não houve compensação nos preços, resultando em menos competitividade”, diz Cirolini.
A consultoria lembra que o Rio Grande do Sul vive atualmente sua maior tragédia climática da história. Assim, entende que será essencial monitorar as repercussões dos eventos recentes e como eles afetarão a produção de trigo.
“O período normal de plantio no Sul é em meados de junho. Por isso, esperamos que os produtores não sejam fortemente impactados”, diz o gerente.
Boas perspectivas para a Argentina
A Argentina é o principal produtor de trigo da América do Sul. Segundo Sol Arcidiacono, a recuperação da umidade do solo e a redução dos preços dos fertilizantes reforçam as expectativas de uma boa safra por lá.
“Esse é um ótimo começo. Também vimos uma queda no preço da ureia, que é usada para fertilizar o trigo. Esses dois aspectos são fundamentais para o cálculo da margem do produtor, que define as intenções de plantio”, diz.
A ativação tardia do El Niño causou chuvas abundantes durante março e abril em toda a área agrícola do país. Como resultado, espera-se que as reservas do perfil se recuperem drasticamente.
O relatório da empresa enfatiza que o país vizinho espera ver algum aumento de área, mais perto de recorde, apoiada também pela boa recuperação vista nos preços internacionais. O último número oficial foi revisto para 6,20 milhões de hectares, conforme a Bolsa de Cereales, a partir da ideia preliminar de 5,9, já que as condições de mercado e clima têm favorecido os agricultores na decisão de plantio.
Os produtores argentinos se preparam para iniciar a semeadura em junho. Em seguida, eles estão analisando a umidade, os preços globais do trigo e o preço dos insumos.
“Diante do cenário atual, esperamos cerca de 50% a mais de recuperação da produção argentina em relação ao ano anterior, que foi de 12 milhões de toneladas e isso impulsionaria a participação exportadora, com a necessidade de buscar destinos extras além do Brasil”, disse Arcidiacono.
Além disso, há chance de que a área plantada com milho diminua devido aos possíveis efeitos do La Niña, já que eles podem ser mais intensos nessa cultura. Isso é um incentivo para aumentar o plantio de trigo e o de soja durante o final da primavera/verão.
Nesse sentido, o clima e a rentabilidade econômica criam um panorama complexo para os produtores decidirem se querem plantar trigo.
Mercados brasileiro e argentino
A evolução da safra brasileira de trigo influencia os agricultores argentinos, pois eles podem estar em desvantagem competitiva se a produção brasileira for substancialmente maior. Outro fator é o crescimento das importações de trigo russo para o Brasil, afirma a Hedgepoint.
Isso porque desde que a Argentina apresentou uma queda significativa em sua safra de trigo de 2023, a Rússia se tornou o segundo principal fornecedor da commodity para o Brasil, aumentando a participação.
“Se o Brasil comprar menos trigo argentino, os produtores de lá poderiam expandir as vendas para países como Indonésia, Vietnã e Filipinas. Em outras palavras, eles estarão competindo com a Rússia e outros países da região do Mar Negro com preços historicamente mais baixos”, diz o levantamento.
“Por exemplo, nos últimos dois anos, o Brasil teve uma safra recorde. Então, compensaram a menor oferta da Argentina”, explica Arcidiacono.
Fonte: Canal Rural